terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Resumo da 2ª Parte de Kinderheim 511

Como logo jogaremos a 3ª (e última?) parte do RPG de Call of Cthulhu, a seguir está o resumo de nossa última sessão:

- Jack, René e James voltam ao hotel e mostram a Ernest e Bahadur os documentos que conseguiram no Parlamento Nazista. Eles percebem dados em destaque sobre Hitler, como se os documentos dissessem que ele, desde criança, já era alguém especial perante outras crianças;
- Eles descobrem que o orfanato onde Hitler passou sua infância fica em Viena, Áustria. Eles decidem partir no dia seguinte;
- Porém, naquela noite, Bahadur acorda sem sono, e ouve a recepcionista do hotel repassando informações sobre o grupo para policiais. Ele tenta distraí-los, mas acaba sendo pego por eles;
- O resto do grupo ouve os gritos de Bahadur e tentam ajudá-lo. James, Jack e René lutam contra os policiais, matando um deles e incapacitando o outro. Porém, na confusão, acabam acordando todos os hóspedes do hotel;
- Deixando a cadeira de rodas de Ernest para trás, eles saem correndo quando ouvem um dos hóspedes chamando a polícia. Mas é tarde demais, sirenas já ecoam a distância, e eles fogem desesperados para um beco;
- No beco, eles veem um policial se dirigindo para o local onde estão. James fala para todos fugirem, e, num ato heróico, se entrega para a polícia para garantir a fuga de seus amigos;
- O restante do grupo consegue fugir, e chega a um bairro cigano de Berlim. Lá, eles tentam se esconder nas ruas, mas são encontrados pela polícia. Jack é o único que consegue fugir, os outros três são levados até a delegacia, onde são presos junto com James;
- Jack, antes de qualquer coisa, consegue alguém que lhe corte o cabelo e a barba, para que ele consiga se disfarçar nas ruas de Berlim;
- Enquanto isso, na prisão, James tenta abrir a cela com a fivela de sua cinta, mas é flagrado pelo guarda, que tira-o da cela e começa a levá-lo para outro lugar. Mas James é rápido, e imobiliza o guarda contra a sela de Ernest e Bahadur. Eles pegam a chave e a arma do guarda. Após deixar o guarda inconsciente, o grupo consegue sair de suas selas. James pega as roupas do policial para se disfarçar, e finge estar levando seus companheiros para outra prisão;
- Quando ele vai pegar a chave da viatura, é reconhecido pela dupla de policiais da delegacia, e começa um tiroteio que resulta em um dos guardas insconscientes e o outro refém. Assim, eles conseguem fugir de viatura da delegacia;
- Enquanto pensam pra onde podem ir, encontram, por acaso, Jack andando desesperado pelas ruas de Berlim. Eles chamam ele e o grupo está reunido novamente;
- Juntos, eles vão até o bairro dos ciganos de Berlim, e encontram uma pessoa que pode fazer uma viagem de avião "por fora" para levá-los até Viena, na Áustria. Eles pagam uma quantia bem alta para essa pessoa, e ainda ficam devendo uma boa parte, mas conseguem chegar em Viena em segurança;
- Em Viena, após passarem uma noite em um hotel, o grupo vai até o local do Kinderheim 1, onde Hitler foi criado. Chegando lá, encontram um local abandonado, mas conseguem abrir o portão e entrar;
- Enquanto investigam o local, são atacados por uma criatura estranha e bizarra, mas conseguem escapar do orfanato antes que ela os mate. A criatura repetiu diversas vezes o nome "Johann";
- Após sair do local, eles investigam e descobrem que tal criatura tem fraqueza em relação ao fogo. Eles voltam ao orfanato com um lança-chamas e tochas;
- Voltando ao orfanato, do lado de fora, encontram um pequeno cemitério e uma estátua de Santo Antônio. Eles tem que quebrar um vitral do orfanato para conseguir entrar, já que a criatura  trancou todas as entradas com móveis. Eles investigam o andar de cima, não descobrem nada;
- Descendo para o porão, encontram um laboratório gigante, onde veem a criatura arranhando um tubo onde se encontra uma criança submersa numa substância esverdeada;
- James atira no vidro, irritando a criatura. Ela vem correndo na direção do grupo, mas Ernest atira um molotov nela, deixando-a presa ao redor de uma roda de fogo no chão, e eventualmente ela se dissolve;
- Após matarem a criatura, encontram diversos documentos no laboratório. Descobrem que o nome dele era Marcus, e ele foi o responsável por criar Johann, uma criança com as mesmas características de Hitler (porém, ainda mais forte) e que está a solta por aí (os documentos divergem sobre ela ter fugido ou ter sido raptada);
- Com a senha dos computadores entre os documentos, eles também descobrem que Johann tem 7 anos, e que foi criado no K511, fugindo depois com Marcus para o K1. Eles encontram o endereço do K511, justamente em Berlim;
- Após voltarem ao hotel, James liga para o Padre Hill, apenas para descobrir que ele, na verdade, foi assassinado. O suspeito é um homem acompanhado de uma criança. O anel de cobra do Padre Hill também foi levado pelos assassinos.

domingo, 3 de fevereiro de 2019

[TsH - Prelúdio] O Monge - Parte 1



Quando vim para as montanhas, meu único objetivo era a paz. Nunca quis realmente alcançar a iluminação. Alguns dizem que ambas estão ligadas, mas posso garantir que não, pelo menos por minha própria experiência. Por doze anos eu tive paz, enquanto assistia meus colegas monges se esforçarem para alcançar um estado do qual apenas ouvimos mitos a vida toda.

Mas agora tudo parece ter se esvaído. Há duas semanas não consigo dormir direito, não consigo nem meditar. As visões, os pesadelos, minha cabeça não fica vazia nem por um segundo. Alguns monges do templo já estão incomodados com meu estado de espírito, e um dos anciões chegou a vir conversar comigo, dizendo que meu qi desequilibrado está abalando meus colegas.

Eu já decidi que vou embora. Estou com medo pela primeira vez em doze anos. Desde que dei o primeiro passo em direção às montanhas de Xin, sentimentos desse tipo tinham deixado minha mente. A liberdade é capaz de curar muitas coisas. Lembro bem da minha última visão dos Campos de Vol, a pequena fazenda onde meus pais e eu morávamos ao longe, as montanhas com seus picos nevados à frente.

Meus pais nem se despediram. A vida toda meu pai quis me ensinar a cuidar das ovelhas e do gado, a plantar aquilo que sustentava nossa família. Mas eu decepcionei a ele e a minha mãe. Eu nunca me interessei em continuar o trabalho dele, e sempre deixei isso claro, mas não foi o suficiente para que ele aceitasse minha decisão. Apesar disso, nunca senti remorso pelo que fiz. Vir para Xin e dedicar minha vida à meditação sempre foram meu sonho, desde criança, quando li pela primeira vez sobre os monges. Eu até acreditava nos deuses que meus pais e várias pessoas da região cultuavam, mas odiava a ideia de me devotar a eles. Essa ideia é meio que padrão entre os monges.

Eu nunca guardei rancor dos meus pais pelo modo como não aceitaram o caminho que eu tomei na vida. E espero que eles também não tenham guardado, e que o tempo tenha mostrado a eles que cada um deve escolher seu próprio destino. Sempre os amei, por isso estou voltando agora, e espero que eles me acolham por um tempo. Não tenho outro lugar para ir em Kor. Se é que Kor ainda existe. Se é que os Campos de Vol ainda existem. Minhas visões dizem que não.

Tomei a decisão ontem à noite, no meio da madrugada, quando acordei do pior pesadelo que tive nos últimos dias. Não havia mais civilização, apenas terras devastadas. Não havia humanos, nem animais, apenas bestas. Uma sombra pairava sobre o mundo. Havia trevas sobre Hiperbórea, nosso tão vasto planeta. Tudo parecia tão palpável. Sei que não é isso que vou encontrar quando descer das montanhas. Já teríamos recebido notícias aqui, por mais que vivamos bem isolados. Monges novos chegam toda semana, e nenhum deles falou sobre algo assim.

Mas o medo é algo difícil de controlar. Eu treinei por mais de uma década para controlar meus sentimentos, e parece que me esqueci de um deles. Sinto medo de algo ter acontecido com meus pais. Na verdade, sinto medo de algo acontecer logo, por isso estou descendo as montanhas esta manhã.

O sol começou a nascer há alguns minutos, e ainda é difícil enxergar com clareza a estrada cheia de pedregulhos e buracos. Em alguns momentos, preciso saltar alturas de mais de dez metros para continuar minha descida. Mas não foi apenas o equilíbrio da mente que fez parte do meu treinamento. Eu posso equilibrar perfeitamente meu corpo, minha energia, meu qi.

***

“Você não confia nos deuses, mas acredita que suas visões tenham algum significado, Lumo? Desculpe, mas não consigo compreender seu raciocínio.”

“Você está aqui há muito mais tempo do que eu, Kahan. O controle adequado do qi nos concedeu diversos poderes. Eu posso saltar livremente por essas montanhas, eu posso entender o canto dos pássaros, eu posso matar uma pessoa com um golpe de minha mão, por mais que jamais tenha interesse em fazer tal coisa. Mas o que quero dizer é que, se o qi nos permite exceder tantos limites, por que ele não permitiria exceder o limite do tempo também? Por que ele não permitiria que pudéssemos acessar aquilo que está previsto para acontecer ao nosso redor? O qi modifica nossa mente de tantas maneiras, que não consigo duvidar de que aquilo que estou vendo vai realmente acontecer, a não ser que eu faça algo. É como se fosse um sinal. Geralmente são os deuses que mandam sinais, mas eu estou há tanto tempo treinando minha mente, que acredito que ela consiga acessar os mesmos espaços que os deuses acessam. Porém, não posso controlar isso, então acabo tendo essas visões de maneira descontrolada, através de pesadelos, por exemplo.”

***

Se as coisas não mudaram muito nos últimos doze anos, já tenho o caminho traçado em minha mente. Esta noite passarei na estrada, e, se eu tiver sorte, encontrarei alguém vendendo animais mais ao sul, para que eu possa acelerar minha viagem. Na noite seguinte dormirei em Dunwich, nas formosas Colinas de Gal. Estou ansioso para ver essa região, sempre foi um local muito bonito, e espero que continue sendo.

Esse trecho da estrada deve ser tranquilo, pelo menos durante o dia. Os únicos que vivem em Xin são os monges, nos templos lá de cima. O problema é a noite. Lembro de quando subi as montanhas doze anos atrás. Naquela época, tinha encontrado um outro grupo de peregrinos na estrada, e estávamos subindo juntos, quando nos deparamos com uma criatura da qual apenas tínhamos ouvido falar em lendas: uma banshee.

Todos nós sentimos muito medo, e a criatura parecia se alimentar disso. Um de meus companheiros tinha uma pequena carreira como sacerdote, e graças a sua água benta conseguiu espantar a criatura. Nenhum de nós dormiu naquela noite. Mas, depois disso, nunca mais me preocupei com aquilo, e nunca cheguei a me questionar como enfrentá-las, já que estávamos protegidos pela segurança espiritual do templo. Mas agora eu teria que aprender na prática, caso encontrasse uma.

Mas agora não era hora de se preocupar com isso. O meio-dia está se aproximando, e a fome começa a bater. Em todo esse tempo que vivi entre os monges, minha alimentação se restringiu a grãos, verduras e água. É a única maneira de manter o qi fluindo em equilíbrio no corpo, isso é um consenso.

Não sei se essas plantas que vejo pelo caminho são adequadas para comer. Eu me aproximo e tento sentir a energia nelas. Não percebo nada maligno, e a cor viva do verde me atrai. Me arrisco a colocar algumas folhas na boca. Não quero coisas saborosas, mas sim nutritivas, e aquela planta parece satisfazer meu desejo. Sento no gramado alto para fazer minha refeição, e logo sou contemplado pela presença de um coelho branco como a neve. Ele não tem medo de mim, os animais sentem minha energia pura, sabem que faz anos que não me alimento de um deles, e sabem que não sou uma ameaça. Eu afago o pequeno animal enquanto ele também faz seu almoço ali, ao meu lado.

***

“Vocês estão aqui porque querem se devotar a si mesmos, e não aos deuses das civilizações. Porém, quero lhes dar um conselho. Não esqueçam que os deuses existem, e que eles vão tentar seduzi-los. Os deuses “bons” talvez não se importem com quem lhes segue, no entanto, os deuses “maus” têm desejos em suas mentes, e precisam dos humanos para realizá-los. Eles irão atrás de vocês, e farão isso através de espíritos malignos. Vocês são monges, podem matar uma pessoa com um golpe certeiro em um de seus pontos vitais. Porém, não podem matar um espírito. A sua mente é a única arma contra eles. Meditem sobre isso hoje, mas tenham em mente sempre a convicção de não cederem às tentações vis.”

***

O sol começa a se pôr, e eu começo a ficar mais atento. Preciso encontrar um local para dormir, uma pequena caverna ou uma rocha escavada que não possa ser vista de longe. A questão é que as banshees estarão voando pelas montanhas, e irão atormentar quem elas verem. Eu preciso ficar oculto.

Não demora muito para eu encontrar uma grande pedra cercada de árvores folheadas. Aquilo vai bastar. É melhor parar agora do que arriscar seguir viagem e não encontrar um local minimamente adequado.

O musgo que cobre a pedra é comestível. Sei disso porque ele também existe nos arredores do templo, e sua cor amarelada é bem característica. O lugar é mais perfeito do que pensava.

A névoa começa a cobrir o local, e eu tento me esconder em meio às árvores, fora de qualquer visão. Já estou razoavelmente longe da estrada, dificilmente alguma banshee vai verificar essa área.

Quando a noite cai completamente, começo a estremecer. Estou acostumado ao calor aconchegante do templo, devido totalmente a sua estrutura para ser fresco ao dia e quente à noite. Não consigo ficar imóvel, será impossível até mesmo cochilar. Se eu não dormir, não terei energia para seguir a viagem no mesmo passo amanhã, e não tenho tempo a perder, se minhas visões estiverem certas.

Não há outra maneira, terei que mudar de lugar. Quando os monges dizem que não devemos levar nada de nossas antigas vidas ao subir para Xin, deveriam abrir uma exceção para cobertores.

Antes de sair de meu pequeno esconderijo, dou uma boa olhada ao redor. Não vejo nada além da névoa e outras pedras altas que lembram formas humanoides devido à visão ofuscada. Eu sinto medo. O silêncio da minha mente é confortante quando medito. Porém, o silêncio da noite das montanhas é assustador. Não se ouve um inseto. Está bem escuro, provavelmente o tempo deve ter fechado.

Enquanto ando cauteloso em meio à névoa, me sinto impotente, me sinto fraco, sinto frio e sinto que estou sendo observado.

Sim, há uma delas aqui. E ela está me olhando. Eu sei disso, pois sinto a energia opressora. Uma energia amarga, fúnebre. Por um segundo eu paraliso, mas logo sou capaz de me virar e ver a criatura atrás de mim.

Uma forma branca como a névoa, parecendo se misturar com ela. É possível ver que tem traços femininos, cabelos longos que esvoaçam com o vento gelado que vai de encontro ao espírito. Quanto mais olho, mais sólida ela parece se tornar. Seu rosto começa a se tornar visível, e posso ver os orbes de seus olhos vazios. A parte inferior de sua face parece ter sido arrancada brutalmente, deixando apenas os ossos à vista. Ela veste um longo vestido que paira sobre a grama. Não é possível ver seus pés, ela levita em sua forma fantasmagórica.

Numa voz sibilante, ela entoa uma só palavra, mas é o suficiente para fazer com que um arrepio suba pela minha espinha, e me faça estremecer todo meu corpo.

“Monge.”

Eu não levo arma alguma, e mesmo que levasse, não há arma que pudesse tocá-la. Não consigo reagir, jamais enfrentei situação parecida.

Ela continua entoando frases. “Um monge descendo as montanhas, isso é muito raro. O que aconteceu, decepcionou-se com o que encontrou lá em cima?”, debocha ela.

De certa forma, as palavras dela me lembram de meu treinamento, e consigo responder. “Apenas quero fazer uma visita a velhos amigos e familiares, depois irei voltar. Faz muito tempo que não os vejo.” Tento ser defensivo, palavras erradas podem significar minha morte.

“Ah, entendo. Mas você ficou muito tempo lá em cima. Deveria ter vindo antes, eles devem estar todos mortos agora.” Uma risada fantasmagórica ecoa pela noite.

“Por que diz isso? Por acaso sabe quem eu sou?” Acredito que ela esteja tentando me manipular, me deixar com medo, afinal, é disso que ela se alimenta.

“Os deuses antigos voltaram. Não há salvação para Hiperbórea. Os ancestrais reinarão novamente. Pouco a pouco sua raça morrerá, dando lugar aos mais fortes.”

A conversa dela é estranha, mas consigo fazer uma ligação com minhas visões. Por que ela estaria falando isso para alguém aleatório, não faz sentido. Ela sabe quem eu sou? Ela consegue ver meus medos? É algum tipo de jogo? Deve ser isso.

Nesse momento eu percebo um pequeno fio. Mas não é um fio de verdade, é um fio energético. Um fio que liga meu corpo ao espírito da banshee. Uma energia percorre o fio de eu até ela. Ela está me drenando, se alimentando de meus medos.

Me concentro em minha mão, canalizo meu qi nela, e, com um movimento cortante, rompo o tênue fio. Ela sibila assustada, fazendo um movimento brusco para trás.

“Você vê?! Então é verdade. O Wendigo tem observado uma energia diferente vindo dos templos lá em cima. Imaginei que fosse você quando o vi sozinho na noite. Como você conseguiu?”

Do que ela está falando? Wendigo? Tem alguém observando os monges? Conseguiu o quê? Eu gostaria de responder às perguntas dela, mas apenas tenho mais perguntas.

“Não entendo do que está falando. Quebrei o fio pelo qual estava drenando minha energia, apenas vá embora, ou irei fazer algo bem pior.” Não sei por que falei isso. Não tenho como fazer algo pior do que isso, nem de longe. Ou talvez eu tenha. Será que meu qi canalizado consegue tocar nela?

“Não posso te deixar ir embora, monge. Meu mestre não vai gostar de ver você fora do alcance dos olhos dele.” Ela solta mais uma risada através da noite, mas o som se rompe repentinamente.

Silêncio. Estou extremamente atento, mas levo um susto quando ela rapidamente abre sua boca, revelando presas afiadas e soltando um grito de lamento e dor que me faz cair de joelhos.

Medo. Estou paralisado. Nunca senti algo assim. Sinto uma dor muito forte em meus braços descobertos. Quando olho para eles, vejo que estão roxos por causa do frio. Eles parecem estar se tornando gelo. Isso não é natural, é obra da banshee.

Não posso me dar por vencido. Preciso me concentrar. Visualizo minha energia se equilibrando em meu corpo, percorrendo-o por completo, dos pés à cabeça. Enquanto a banshee se aproxima lentamente, sou capaz de quebrar a paralisia. Me levanto rapidamente, mudo a direção de minha energia, canalizando tudo para minha mão direita. É o mesmo golpe que eu daria para matar um homem. Porém, este terá um diferencial.

Quando enfio meu punho no meio do peito da banshee, profiro palavras que achei que estavam esquecidas em minha mente, mas que se formam naturalmente em minha boca neste momento de desespero. “Pela luz de Helios, afaste-se espírito maligno.”

***

“Filho, sente-se conosco. Precisamos fazer algumas preces.”

Com desgosto, sento ao lado da minha mãe com a cara fechada. Quase todo dia isso. Rezar para uma divindade que não está nem aí para nós. Isso era evidente. As colheitas nunca eram boas o suficiente, os animais morriam por razões estúpidas, e vez ou outra roubavam nossa propriedade. Por que continuamos rezando para esse maldito Helios.

“Hoje não queremos orar apenas para pedir prosperidade, oh, grande Helios. Queremos pedir sua proteção.”

Meu pai começa a se dirigir em direção à janela. Em sua mão carrega a corrente que geralmente deixa em seu pescoço, com o símbolo de Helios, o deus sol, esculpido em bronze.

“Pela luz de Helios, afaste-se espírito maligno,” diz ele, enquanto levanta o artefato em direção às lavouras.

Com a testa franzida, olho para minha mãe. Ela sussurra, com as mãos em prece. “Seu pai viu um fantasma hoje em meio às plantações, logo após o sol se pôr. Se não orarmos e protegermos nossa casa, ele entrará aqui e drenará nossa energia. É disso que eles sobrevivem.”

***

Mal consigo acreditar no que vejo. Uma energia clara como o sol sai de minhas mãos e explode a banshee, de dentro para fora. Estou aliviado e ao mesmo tempo assustado.

Com um grito agoniado, a banshee se desfaz, iluminando a noite como se um longo relâmpago estivesse anunciando uma tempestade feroz. Ouço gritos como os dela vindo de todas as direções. Ouço vozes. Ouço o que dizem.

“Ele invocou um dos novos deuses.”
“Não é possível.”
“Quem é ele?”
“Um monge invocando um deus...”

Começo a correr em meio à noite que vai voltando pouco a pouco. As banshees certamente virão atrás de mim para vingar a morte de sua irmã.

Não sei por quanto tempo eu corro, mas finalmente chego a um pequeno vale, e consigo avistar um planalto alguns quilômetros à frente. É possível distinguir uma pequena trilha ao longe, agora que a luz da lua voltou e a névoa se foi.

Ainda faltam algumas horas para o sol nascer, mas não sinto mais medo. Pelo contrário, sinto coragem. Há uma sensação diferente dentro de mim. Me sinto mais forte, mais poderoso, mais confiante. Me sinto bem. Bem como nunca, nem mesmo em meus melhores momentos de paz.

Seria essa a tal iluminação que tantos procuram? Engraçado. Ela aconteceu justamente quando fui embora das montanhas. E foi mais literal do que eu esperava.