quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Um demônio salvou minha vida, mas eu queria que não tivesse salvo

Eu encontrei o demônio pela primeira vez quando eu tinha dezessete anos, e naquela noite, ele salvou minha vida.

Eu estava no ponto de ônibus, esperando para ir ao meu trabalho depois da escola. Eu tinha esquecido meu guarda-chuva naquele dia, e, como se sabe, sempre chove quando você esquece seu guarda-chuva.

As gotas congelantes caiam, e eu tentava ignorar o fato de estar flutuando em meus próprios sapatos. De repente, a chuva sobre mim parou, e eu vi ele--o demônio, me protegendo com seu guarda-chuva.

Ele parecia uma pessoa criada por alguém que não sabia como se pareciam os seres humanos. Ele era comprido e esguio, quase dois metros de altura, e seus ombros eram curvados para frente, o que fazia com que seu perfil lembrasse o de um abutre gigante.

Seu rosto era magro, com extremidades afiadas e cavidades profundas, e nele estava engessado um sorriso largo e amigável de dentes acinzentados e tortos.

"Não ficou sabendo, amigo?" ele perguntou.

"Não", respondi. "Sabendo o quê?"

"O ônibus não virá hoje", ele disse. "O motorista estava bêbado e sofreu um acidente. Todos a bordo morreram."

A maneira com a qual ele falou essa última parte--quase alegre--fez meu estômago virar.

Eu não sabia se acreditava mesmo nele, mas decidi que iria embora, de qualquer maneira. Senti um forte impulso para me distanciar o máximo possível dele.

"Ah", respondi. "Acho que vou ter que ir andando, então."

"Sim", ele disse. "Terá. Aqui, leve meu guarda-chuva."

Ele estendeu o guarda-chuva na minha direção, e, sem pensar, eu aceitei. Meus dedos brevemente tocaram a pele de suas mãos, e um calafrio percorreu todo meu corpo.

No dia seguinte, vi o acidente do ônibus no noticiário--mas ele tinha acontecido após o meu ponto. Como o homem tinha dito, todos a bordo morreram. E, se não fosse por ele, eu teria estado a bordo também.

A próxima vez que vi o demônio foi durante meu segundo ano da faculdade. Ele estava me esperando em meu dormitório, curvado sobre minha mesa e lendo um de meus livros.

"É você", eu disse.

"Sim", ele respondeu. "Sou eu."

Ele calmamente fechou o livro e se virou para mim, irradiando seu sorriso torto.

"Trouxe um presente para você", ele disse.

Meu estômago se contorceu.

"Ah, é?", perguntei

"Ah, sim."

Ele colocou a mão dentro da lapela do seu casaco e pegou um caderno rosa. O nome "Ellen Hartwell" estava inscrito na capa.

"Isto pertence à bela morena de sua turma de psicologia", ele disse. "Aquela que você está sempre olhando. Você dirá a ela que encontrou isso, e depois chamará ela para jantar."

Ele deixou o caderno na minha mesa.

"Ah", eu disse. "Obrigado."

"Não precisa agradecer", disse o homem. "Eu verei você novamente."

Naquele momento, eu pisquei, e ele desapareceu.

A última vez que vi o demônio foi na noite que meu filho nasceu. Minha esposa, Ellen, estava esperando na cama enquanto eu tomava um banho rápido. Eu estava nu e pingando quando vi o homem de pé no meu banheiro.

"Olá, novamente, amigo", ele disse.

"Você me assustou", respondi.

"Eu sei", ele disse. "Me ouça. Hoje à noite, você falará com sua esposa. Ela está prestes a ter um filho, mas ela ainda não sabe. Ela te dará um filho hoje à noite."

Meu coração acelerou ao pensamento de um filho, mas meu estômago estava menos otimista, e se contorceu de apreensão.

"Por que está me ajudando?", perguntei.

O homem abriu um largo sorriso.

"Os fios do destino são longos", disse ele. "Mais longos que uma mera vida humana."

Ele estalou seus dedos, e desapareceu numa névoa de fumaça azul acinzentada.

O homem nunca mais me visitou de novo, mas, às vezes, eu sentia aquela apreensão na boca do meu estômago que acompanhava sua presença. Anos se passaram, depois décadas, e, gradualmente, fui esquecendo dele--até o dia que a polícia veio.

Eles vieram com cães e pás, e viraram toda minha propriedade de cabeça para baixo.

No fim das contas, encontraram restos de trinta e sete mulheres, e prenderam meu único filho.

Meu filho afirmou, em seu julgamento, que um demônio tinha forçado ele a cometer os assassinatos, mas ninguém acreditou, e ele foi sentenciado à morte.

Mas eu reconheci o demônio pelos milhares de rabiscos que preenchiam seus cadernos.

Era um homem de rosto magro, com um sorriso largo e amigável de dentes acinzentados e tortos.

Escrito por lifeisstrangemetoo. Confira o original.

Nenhum comentário:

Postar um comentário